Seguros de Responsabilidade Civil – Riscos Profissionais (RCP ou E&O – Erros e Omissões)

O post de hoje é um texto de Walter Polido.

Indispensável leitura para todos que trabalham com este ramo de seguros.

Especial setor que vem crescendo, dentro do segmento dos Seguros de Responsabilidade Civil, é este representado pela RC Profissional: médicos, dentistas, advogados, engenheiros, contadores, auditores, corretores de seguros e de resseguros, notários, empresas de engenharia ambiental, empresas projetistas em geral, empresas certificadoras, outras categorias. Os profissionais se tornam cada vez mais expostos, não só pela legislação, mas também pelo fato de que determinadas profissões deixaram de ser consideradas culturalmente “intocáveis” pelos seus respectivos consumidores-clientes. Essa mudança de comportamento se justifica por várias razões e especialmente em função do distanciamento que passou a existir nos dias atuais entre os profissionais e os seus clientes – médicos e pacientes, notadamente; diferente, portanto, do sentimento que reinou nos séculos XIX e XX – através do qual o médico era um profissional quase que venerado pela família toda, o que o tornava praticamente inquestionável sob qualquer hipótese. A modernidade mudou isso. As atividades profissionais, em geral, são vistas como mera prestação de serviços remunerados, sem qualquer diferenciação entre as diversas categorias. Hoje, os profissionais respondem, em qualquer categoria, pela boa ou má ‘performance’ e são avaliados de acordo com a ‘especialização’ que demonstram possuir. Todos os atos praticados ou omitidos são valorados pela opinião pública e pelo consumidor daquele serviço em especial, o que não acontecia até há pouco tempo atrás no País. Os próprios órgãos representativos das classes profissionais não têm mais como se apresentar de maneira ‘condescendente’ para com os seus afiliados, perante a sociedade em geral, sempre que a situação de má performance fica sobejamente evidente. Cabe também a eles expor os maus profissionais ou mesmo aqueles que, por um infortúnio qualquer, lesaram o consumidor contratante dos serviços. A própria sociedade civil se organizou neste sentido e várias entidades existem e podem ajudar o prejudicado a fazer valer os seus direitos. A globalização e a cultura internacional de reparação de danos – mais desenvolvida em muitos países e com os quais o Brasil se relaciona, também têm contribuído para o crescimento dessa consciência nacional, exigindo profissionais cada vez mais capacitados às novas exigências do mercado consumidor.

Nos EUA a participação da produção de prêmio de RC – no montante geral – é algo expressivo, dado o seu elevado volume e também na União Européia a participação do RC no mercado é elevada, sem alcançar, contudo, a mesma proporção encontrada nos EUA. Cabe ressaltar, também, a voracidade que os europeus demonstram no sentido de tornarem obrigatórios os mais diversos tipos de seguros de RC, cujo procedimento não teria a mesma repercussão positiva no Brasil., por uma série de razões. No mercado de seguros brasileiro – os números ainda não são nada expressivos, pois que hoje a participação de todo o segmento de RC é de menos de 10% da produção global do mercado nacional, incluindo o RCF-V (RC Facultativo de Veículos Automotores Terrestres), mais todos os outros ramos de seguros que cobrem, de alguma forma, uma parcela do risco de RC. A participação isolada dos seguros de RC Profissionais é insignificante, ainda.

Os seguros de RCP se envolvem com questões especialmente criadas para este segmento de risco, merecendo especial destaque as seguintes:

  • trigger da apólice – momento no qual fica configurada a competência de determinado contrato de seguro para indenizar efetivamente o sinistro. Nos seguros de RCP essa questão tem especial alcance, pois que a modalidade está ligada a sinistros de longa latência, ou seja, a manifestação efetiva do dano ou do prejuízo pode se dar muito tempo depois da realização de um determinado ato ou da omissão do Segurado. Apólices tradicionais na base de ocorrências jamais poderiam atender perfeitamente este segmento de seguro. Na maioria das situações de coberturas em RCP as apólices são contratadas na base de reclamações – Claims Made – com vários desdobramentos. É usual também apólices da espécie “Primeira Manifestação” ou da “Primeira Descoberta” do dano/prejuízo garantido pela apólice. Vincular a competência da apólice ao “ato cometido” também pode ser encontrado modelos, nos diversos mercados e também o Brasil já operou dentro deste princípio por muitos anos. A Claims Made, contudo, tem se mostrado ser o melhor modelo para esta categoria de risco, respondendo a apólice na qual o sinistro foi efetivamente reclamado pelo Terceiro ao Segurado.
  • perda de uma chance – trata-se de uma parcela de risco nem sempre de fácil mensuração ou determinação dos prejuízos, pois que se situa, muitas vezes, no campo das hipóteses. Como afirmar que a perda de um prazo para interpor um recurso durante o trâmite de determinado processo judicial determinou, peremptoriamente, a perda cabal daquela ação, prejudicando o cliente do advogado faltoso? Se puder de fato ser provada a perda financeira por conta daquela omissão, não haverá razão da dúvida quanto ao direito ressarcitório que o autor do determinado processo tem em relação ao advogado desidioso. A perda de uma chance tem sido alegada também na área médica (utilização errônea de determinada terapia medicamentosa ou demora na sua utilização, quando então o paciente poderia ter chance de sobrevivência). Também em outros segmentos pode ser arrolada a referida teoria.
  • perdas financeiras puras – assim considerados aqueles prejuízos não decorrentes diretamente de danos materiais ou corporais. Esta categoria de risco é especialmente sujeita a este tipo de perdas. Os clausulados das apólices, inclusive, devem prever especificamente esta situação, na medida em que determinada categoria profissional estará muito mais sujeita a causar perdas financeiras aos clientes do segurado e mesmo com exclusividade, do que danos materiais. Os mencionados danos materiais, em situações específicas, muitas vezes ficam circunscritos àquelas despesas com a recomposição de documentos que estavam na posse do segurado e que por algum fato externo foram destruídos ou extraviados, por exemplo. A nomenclatura nos Seguros E&O, portanto, é de suma importância e relevo, não podendo ser desprezado o rigor necessário quando da elaboração dos clausulados.  Os advogados, por exemplo, podem causar perdas financeiras aos clientes dele e até mesmo gerarem despesas com a recomposição de documentos, mas não os tradicionais danos materiais ou corporais. Esses últimos, se previstos no contrato de seguro E&O, devem ficar circunscritos à parcela de risco inerente à existência e operações das instalações físicas do imóvel onde o segurado desenvolve as atividades dele, mas não na condição de texto único e principal de modo a garantir também o risco primordial deste tipo de seguro: as perdas consequentes dos erros e omissões causados aos clientes. Este ponto é fundamental na caracterização dos seguros E&O e na formulação dos clausulados de coberturas, não podendo haver qualquer tipo de confusão ou desconsideração a respeito.
  • o conceito de acidente – neste tipo de seguro nem sempre ocorrerá o acidente nos moldes ou na forma que tradicionalmente acontece nos seguros de danos e até mesmo em muitas situações de seguros de RC (ruína, desmoronamento, colapso, quebra, etc.). Os prejuízos cobertos pela apólice podem ficar caracterizados apenas diante da constatação de um erro ou de uma omissão do Segurado, sem que tenha existido um acidente propriamente dito, com repercussão de danos materiais ou mesmo corporais. Exemplo típico a modalidade de RC Profissional para Empresas de Projetos de Engenharia. A constatação do erro de projeto, durante a execução da obra, pode determinar o sinistro coberto, garantindo-se todas as despesas decorrentes com a demolição da obra, até aquele estágio no qual ela se encontrava, além das perdas patrimoniais em si, em relação ao material de construção que havia sido empreendido pela empresa que comprou o referido projeto defeituoso. Várias outras particularidades são encontradas neste tipo especial de seguro profissional.
  • sinistros em série – assim como na modalidade RC Produtos, o segmento de riscos profissionais está especialmente sujeito aos denominados sinistros em série, os quais atingem várias terceiros – de uma só vez, em decorrência de um mesmo fato gerador. Uma empresa de auditoria ou de orientação fiscal e tributária, pode prejudicar uma variedade de clientes, ao mesmo tempo, em função de determinada interpretação e orientação errônea a respeito de uma norma tributária qualquer. É comum a não concessão de cobertura, para este tipo de situação, sendo que as Seguradoras incluem cláusula limitando a abrangência dos sinistros em série. A cláusula determina que todos os sinistros serão considerados como um único sinistro, qualquer que seja o número de reclamantes, dentro também de um mesmo e único limite de garantia. Se assim não fosse, poderiam acontecer sucessivas reclamações de sinistros, ao longo de anos, comprometendo várias apólices.
  • juízo arbitral – não é comum ainda no Brasil, mas em outros países a estipulação contratual da arbitragem é muito comum neste tipo de seguro, uma vez que os sinistros se envolvem com questões delicadas e pertinentes a boa ou má performance de profissionais, nas mais diversas atividades. Na maioria dos casos, o cerne da regulação do sinistro se situa na questão de ter havido ou não erro no desempenho da atividade, cuja situação pode ser perfeitamente analisada por um juízo arbitral, composto por experts daquela determinada atividade profissional em discussão.
  • regulamentação das profissões – para que possa haver a possibilidade do risco da atividade ser coberto através de uma apólice de seguro RCP, a profissão deve estar devidamente regulamentada por normas, de modo que o Segurador possa avaliar e mensurar o risco a ser coberto.
  • tempo de atividade – é comum haver, neste tipo de seguro, a exigência de que o profissional disponha de determinado período de experiência na atividade, de modo que o Segurador não assuma riscos desproporcionais, garantindo a aquisição de experiência ao profissional, por conta do seguro. Este período pode variar de três a cinco anos, dependendo da categoria profissional. Tem caráter subjetivo este fator, uma vez que nem sempre há coerência absoluta na sua aferição. O profissional pode ser considerado mais experiente ao longo dos anos do exercício de sua atividade, mas também pode se tornar desatualizado na hipótese dele não empreender estudos suficientes de aperfeiçoamentos constantes. O jovem profissional, por sua vez, está mais preparado em relação às novas técnicas e exigências da profissão.
  • tipos de apólices – podem ser encontradas apólices do tipo global, no estilo “all risks”, – incluindo as danos ou as perdas financeiras de maneira geral e indiscriminadas. Tal modelo proporciona coberturas amplas. De outra forma, existem apólices do tipo “named risks/perils”, através das quais os riscos cobertos são definidos claramente, objetivando as circunstâncias e os fatos efetivamente cobertos pela apólice. Nem sempre é possível a redação concreta deste segundo tipo de apólice, uma vez que é muito difícil prever todas as situações possíveis de coberturas, com base em determinada atividade profissional. A utilização de termos mais abrangentes, limitando a cobertura da apólice através de situações concretas de riscos excluídos, tem sido o modelo mais adotado pelo mercado mundial de seguros RCP.
  • despesas com a defesa do segurado e constituição de fianças – é extremamente importante a cobertura de defesa neste tipo de seguro e também a constituição de fiança ou caução que possa garantir a indenização futura, pois que muitos dos sinistros são reclamados na esfera judicial.
  • danos em cirurgia plástica e reparadora – nos seguros de Medical Malpractice – a questão da cobertura para cirurgias plásticas é matéria de relevante conceito. As apólices garantem, via de regra, apenas os riscos decorrentes de lesões ou morte ocasionadas durante a cirurgia, tal como poderiam acontecer em qualquer outro tipo de cirurgia, sem qualquer cobertura para a promessa de resultado estético.

Modelos de cláusulas adotadas:

 

A – Risco coberto

Responsabilidade profissional de cirurgiões estéticos ou plásticos por danos causados aos seus pacientes, sempre que os danos forem relacionados diretamente com a operação de cirurgia estética ou plástica.

Risco excluído

Reclamações por não haver obtido a finalidade ou o resultado proposto na operação de cirurgia estética ou plástica (danos meramente estéticos)”.

 

B – Riscos excluídos – reclamações relacionadas com cirurgia plástica ou estética, salvo se tratar de intervenção de cirurgia reconstrutiva posterior a um acidente ou cirurgia corretiva de anormalidades congênitas. Neste caso, ficam excluídas expressamente as reclamações relacionadas com o resultado da intervenção”.

Os Seguros de RCP têm se mostrado de grande interesse para várias categorias profissionais e em razão mesmo das mudanças que vêm ocorrendo na sociedade brasileira. Não há dúvida de que representa uma ferramenta de grande valia para os profissionais que podem vir a ser envolvidos, de um momento para o outro, em questões judiciais que podem representar custos elevados: da defesa à obrigação de indenizar. O discurso de que o seguro E&O gera a “indústria de indenizações” está ultrapassado e, se acaso ele ainda é proferido, certamente fica restrito a círculos menos atentos às vantagens que o seguro pode de fato propiciar e, é sabido por todos, que a sua disseminação fica apenas no campo institucional de determinadas categorias ou setores delas, enquanto que individualmente, mesmo aqueles profissionais mais combativos à instituição do seguro E&O, o contratam, uma vez que eles próprios reconhecem a eficácia dele. Ninguém, espontaneamente, desejará expor o seu patrimônio adquirido e fruto do trabalho profícuo a perdas por puro fisiologismo insustentável, a qual, inclusive, não escudará nenhum tipo de responsabilidade civil em caso de perdas havidas.

In POLIDO, Walter. Seguros de Responsabilidade Civil: manual prático e teórico. Curitiba: Editora Juruá, 2013.

Walter Polido

Advogado, Parecerista, Consultor em seguros e resseguros – walter@polidoconsultoria.com.brwww.polidoconsultoria.com.br

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